Por conta da mostra Picasso e a Modernidade Espanhola, que acontece no CCBB entre os dias 25 de março a 08 de junho de 2015, resolvi entrevistar o próprio Picasso para entender um pouco melhor o pensamento do grande artista sobre a arte.
Pablo Ruiz Picasso, nascido com o sol em escorpião em 25 de outubro de 1881, na cidade de Málaga, Espanha.
Profissão-Artista!
Eu – Pablo me fale um pouco da sua infância, quais são suas lembranças desse período?
Pablo – Chame-me apenas de Picasso.
Eu – Ok
Picasso – Bem, nasci em uma família relativamente pequena. Minha mãe, Maria Picasso y Lopez era dona de casa e nasceu na soberba Andaluzia. Papai vem do norte da Espanha, era pintor e professor de desenho, de onde provavelmente herdei o meu interesse pela arte.
Eu- Filho único?
Picasso – Ah, não! Tinha duas irmãs também, Dolores, a quem todos sempre chamaram de Lola e Concepción, que era a nossa pequena Conchita.
Eu- Pablo, ops, Picasso, quando descobriu que era um artista?
Picasso- Costumava ilustrar o meu diário quando pequeno e papai sempre via esses desenhos com grande entusiasmo, o que também me deixava feliz. No final acho que sempre continuei ilustrando meus interesses ao longo da vida…
Eu- Aos 23 anos você se muda definitivamente para Paris, isso em 1904, e já havia iniciado seus trabalhos que foram caracterizados Fase Azul, aliás, começados em 1901. Fale-me um pouco desse período?
Picasso – Olha, você está muito bem informado… Nunca me lembro das datas.
Eu – Sim, (risos), eu pesquisei um pouquinho, para essa nossa conversa.
Picasso – Então, me mudei para Paris sem muito dinheiro,embora já tivesse vendido nesse meio tempo em Barcelona alguns trabalhos de arte. Nessa fase estava muito interessado naqueles que de certa forma eram os excluídos da sociedade, artistas itinerantes, os famintos, moradores de rua. Uso muito nesse período tintas que a meu ver remetem a certa tristeza humana, cores mais frias, como azul índigo e cobalto. Esses trabalhos começam a se transformar ali por volta de 1905, quando começo a olhar em outras direções.
La vie,1903
Eu- Fase Rosa?
Picasso- É, de certa forma com o amor passamos a olhar a vida com maior otimismo, minha paleta de cores adquire outras notas tonais, cores rosadas e tons de terra. A investigação de tema também muda, o circo, suas cores, enfim, estou apaixonado nesse momento por Fernande Oliver, minha primeira companheira.
Acrobata e jovem Arlequin,1905
Eu- Gosto de uma frase do Yves Saint Laurent que diz: “A melhor roupa é o amor”. É como vestir um estado de ânimo e irradiar a beleza pelo mundo. Você o conhece?
Picasso- Não o conheço, sou pouco ligado a moda de certa forma, tenho o meu estilo, mas não penso nisso de forma a tomar o meu tempo, embora em determinado momento da minha vida tenha colaborado com a companhia de Serguei Diaguilev no Ballet Russo, criando figurinos e cenários para os seus espetáculos, boa época. O compositor Eric Satie e o escritor francês, meu grande amigo Jean Cocteau, também faziam parte dessa grande aventura que era estar inserido no mundo da dança.
Eu- Mas isso foi bem depois do Cubismo, não?
Picasso – Sim, isso foi em 1917 e minhas investigações cubistas começam antes disso. Acho que olhando para trás já tem um embriãozinho surgindo quando vejo a exposição de arte de escultura Ibérica em 1906 no Louvre, mas de certa forma passo um período formulando questões e experimentando coisas nesse meio tempo. Quando vejo, em 1908, a exposição sobre arte Africana, sinto que tenho um encontro catártico com algo que novamente muda o meu rumo de ver as coisas e de pensar arte.
Eu- Conte-me um pouco desse período tão importante e de questões tão vitais que surgiram para a arte do século XX a partir do Cubismo?
Picasso- Em primeiro lugar que fique claro que não fui o único que estava investigando ou experimentando essa questão. O pintor George Braque também estava, aliás,tínhamos longas conversas de atelier sobre processo criativo. O nome cubismo surge de um comentário pouco lisonjeiro de Matisse, que ao ver uma paisagem de Braque diz ver nada além de cubinhos na obra.
Eu- Mas Picasso, por favor, seja mais didático. Eu mesmo, um grande apreciador do seu trabalho, nunca fui capaz de entender direito o cubismo.
Picasso- Vamos lá, vou ver se consigo ser didático. Não que eu ache que a arte deva explicar algo, devemos senti-la acima de tudo.
Eu- No fundo você é um romântico.
Picasso- Acho que sempre fui.
Eu- Mas voltando ao Cubismo…
Picasso- Sim, podemos classificar o cubismo em dois momentos:
O cubismo Analítico que consiste em analisar a forma dos objetos, partindo-os em fragmentos e espalhando-os pela tela. Exemplo dessa fase pode ser o retrato que fiz de Ambroise Vollard em 1910, que hoje está no museu de Moscou, o Pushkin State Museum.
Cabeça de mulher(Fernande) 1910
Já o cubismo Sintético, que acho que tem muito a ver com minhas investigações junto com Braque e o Juan Gris, consiste na técnica de colagem onde incorporávamos letras de estêncil e tiras de papel as pinturas. Podemos verificar de perto essa técnica no Bandolim que Braque realizou, onde ele desmonta o instrumento de cordas para recompô-lo, ou sintetizá-lo, em suas linhas essenciais em papel corrugado e pedaços de jornal.
Eu- Nossa agora sim tudo ficou mais claro.
Picasso- Acho que isso é o mais didático que posso ser.
Picasso parece impaciente e começa a olhar para o relógio…
Eu- Dois trabalhos seus eu não poderia deixar de citar:“Les Demoiselles d’Avignon” de 1907 e “Guernica” de 1937. Gostaria que me falasse sobre ambos e da distância de tempo entre eles, afinal 30 anos os separam. Como você enxerga esses trabalhos.
Picasso- Muito já foi falado de “Les Demoiselles d’Avignon”. Eu finalizo o quadro em 1907, diria que é um quadro pré-cubista ou o primeiro quadro cubista sem eu estar seguro ainda dessas questões. Estava sob efeito da exposição de arte africana, como disse anteriormente. Foi um trabalho que embora apreciado nos dias de hoje, recebeu muita critica negativa. O meu marchand da época disse que o quadro estava inacabado e novamente Matisse foi ferino, dizendo que o quadro era um embuste e que ao olhá-lo tinha a sensação de ter bebido gasolina.
Ele ficou encostado no meu atelier por 18 anos, até que o vendi para um colecionador em 1922 por 25.000 mil francos.
Naquele momento sentia que “o artista devia inventar, não copiar a natureza como um macaco”.
Cabeça de cavalo.Esboço para Guernica,1937
Eu – Sim, genial, e foi o que você fez . A partir daí nos deu uma realidade prismática maravilhosa.
Picasso- Quando era criança mamãe costumava dizer: “Se você for soldado, será um general. Se for padre, vai acabar Papa”, e então eu me tornei pintor e acabei sendo Picasso.
Eu – Bravo! E a Guernica?
Picasso- Isso foi uma verdadeira atrocidade que aconteceu na historia da humanidade, diria que é até difícil como espanhol lembrar-me desse fato.
Guernica é uma cidadezinha que fica próxima de Bilbao e por conta da guerra civil que estava ocorrendo na Espanha sofre um atentado brutal no inicio de 1937. Em uma segunda-feira, dia 26 de Abril, a cidade é bombardeados gerando um dos maiores massacres já vistos na história. Uma população dizimada de um momento para o outro.
Fiquei estarrecido com a notícia e demorei um tempo para absorver o que estava acontecendo.
Mas enfim, (olhando novamente para o relógio), é uma história longa demais. O quadro surgiu por conta de uma encomenda de uma instituição importante na Espanha. Trabalhei arduamente no seu processo de construção, não só foi um trabalho que me exigia muito fisicamente, mas também elaborei, ou melhor, recorri aos grandes mestres como fonte de pesquisa para o trabalho, como Rubens e Goya, de quem sempre fui um exímio admirador.
Eu- É verdade que o quadro ficou fora da Espanha retornando a sua terra Natal após 40 anos de exílio?
Picasso- Sim eu temia pela integridade do meu trabalho. Vivíamos tempos difíceis e por conta disso ele fez uma longa excursão pelo mundo, passando inclusive pelo Brasil por conta da 2ª Bienal de São Paulo em 1953.
Eu – Sim, pesquisei sobre isso também. Aquela Bienal ficou sendo conhecida como a Bienal da Guernica. Tenho tanta coisa para dizer que sinto que ficaria uma vida toda falando com você…
Picasso – Sim, uma vida ainda seria pouco para falar de arte, da vida, dos amores e do mundo. Mas preciso ir (olha para o relógio e se levanta decidido). Afinal, como artista,só posso pedir que deixe os meus trabalhos falarem por mim.
Ale Lopes
Curador e Critico de Arte